Os universos expandidos são, hoje, a maior vertente do cinema como indústria. Por isso, muito do que trazem ao público é um resultado algorítmico e formular daquilo que a audiência já está acostumada a consumir. Viúva Negra (Cate Shortland, 2021), novo lançamento da Marvel pelo Disney+, é um expoente categórico nessa prática condenável de se fazer cinema.
Vejamos bem, se por um lado são raros os exemplos que conseguem revisitar a essência de uma saga, como Os Últimos Jedi (Rian Johnson, 2017), ou realmente criar algo relevante dentro de uma lacuna social, como Pantera Negra (Ryan Coogler, 2018), por outro são abundantes aqueles que só existem como escadas para os demais, como Homem-Formiga 2 (Peyton Reed, 2018), ou resultam do puro interesse comercial, como o filme em questão.
Mais de uma década depois de sua primeira aparição, em Homem de Ferro 2 (Jon Favreau, 2010), Natasha (Scarlett Johansson) finalmente estreia no cinema com todos os holofotes para si. O longa traz uma epopeia solo da heroína ao enfrentar alguns fantasmas de seu passado enquanto desmascara um esquema de espionagem internacional. Reconectando-se com seu modelo disforme de família, ela se vê rivalizando com Dreykov (Ray Winstone), personagem que a criou, treinou e que, agora utilizando fortes componentes químicos, comanda a temível Sala Vermelha.
Pontuando a demora cavalar que o estúdio teve para trazê-la como protagonista, é no mínimo ultrajante ver as personagens femininas ganhando destaque somente quando a vertente de super heróis marvelianas já atingiu altos índices de desgaste. Aqui esse atraso é ainda mais maléfico, já que, além de não funcionar como uma obra isolada, ainda soa como uma homenagem disforme para uma personagem tão relevante.
Trocando por miúdos, a trama é insistentemente mastigada para o espectador através de personagens mal desenvolvidos que, quando não preenchem os clichês mais batidos do gênero, decaem para um alívio cômico falho e fazem com que o filme não alcance a seriedade que almeja na ação de uma guerra secreta travada às margens do UCM. Desde o exército de “robôs” até a presença de um ser máquina imbatível, Viúva Negra é um produto comercial apático digno de engrenagens. Um filme que, nem quando se apoia covardemente em uma pauta social ou na representação de família, não consegue se livrar da grande carapuça formulaica que possui.
Como se não bastasse, ao tentar se desenvolver como uma prestação de contas com a personagem icônica de Scarlett Johansson, a obra de Shortland não cria uma ponte significativa tanto com sua morte em Vingadores: Ultimato (Joe & Anthony Russo, 2019), quanto com todo seu impacto no decorrer da década em que a Marvel dominou o cinema blockbuster. Ou seja, ele é mais uma vez vazio e, ao invés de tentar incorporar toda essa jornada em sua narrativa, ele a reduz a meras citações que soam destoantes do clima do filme quando o tiramos desse recorte.
É frustrante ver como Viúva Negra joga fora sua chance de fincar raízes no cinema de ação moderno e, ao invés de seguir uma escola mais inovadora com John Wick (Chad Stahelski, 2014), Sem Remorso (Stefano Sollima, 2021) e, sua semelhante em temática, Atômica (David Leitch, 2017), prefere seguir pela freneticidade de uma câmera instável e cortes descontrolados que jamais encontram força ou inteligência em seus guerreiros. Reduzindo a dinâmica à ação e reação, é um combo perfeito com a falta de criatividade presente nos filmes (e agora séries) cinzas de seus companheiros.
Há um vislumbre de esperança em Yelena (Florence Pugh) já que está se prostra não só como herdeira como também é a única personagem coadjuvante bem desenvolvida, uma vez que Alexei (David Harbour) é um mero desvio cômico e Melina (Rachel Weisz) se resume a didaticamente destrinchar o filme para o espectador e ser a justificativa científica “perfeita” para o funcionamento do enredo. A jovem viúva já conta com um exército treinado para libertar as demais pupilas das garras químicas da alienação, resta-nos esperar que seu caminho seja tão honrado e mais recompensador do que o que trilhou sua irmã, a primeira vingadora.
Por falta de um vocabulário mais adequado, é broxante demandar 2 horas e 13 minutos para ver uma obra que não se entrega por completo e ainda se preocupa em preparar terreno para uma possível sequência. Assim como Wandavision (Matt Shakman, 2021), Viúva Negra parece um grande prelúdio, entregando de bandeja mais uma característica do cinema visto como indústria: a necessidade de te puxar para o que vem a seguir. De gancho em gancho os filmes lentamente se tornam uma propaganda de seu próximo estouro de bilheteria e, progressivamente, perdem a beleza da unidade cinematográfica bem articulada.