Vírus Tropical

Contar sua história para espectadores que não façam parte do seu grupo social, abrindo o coração sem amarras, não é uma tarefa simples. Permitir que outra pessoa a transforme em filme deve ser ainda pior. No entanto, foi exatamente isso que a autora precisou fazer para levar sua premiada graphic novel Vírus Tropical aos cinemas em forma de uma adaptação franca, singela, poética e verdadeira.

O roteiro coloca Paola, uma criança culturalmente colombiana que nasceu no equador quando ninguém acreditava nessa possibilidade, no centro de sua própria história de amadurecimento, enquanto precisa lidar com questões familiares, sexualidade, bullying, drogas e tantas outras coisas que podem perseguir uma menina entre a infância e a juventude. E, por mais que não estejamos frente a frente com a autobiografia de alguém famoso, a história conquista o público com o bom humor e, como eu já disse acima, a franqueza que só alguém sem papas na língua poderia ter.

Infelizmente, o fato de Paola ser uma desconhecida não impede que o filme caia nas mesmas armadilhas que a maior parte das cinebiografias caem: querer contar muita história para pouco tempo de tela. São muitos os momentos em que o texto, a direção e, de certa forma, a montagem parecem não saber exatamente se estão contando a história de Paola, de qualquer membro de sua família ou da cidade, é isso vai minando o ritmo do longa aos poucos.

 

Vírus Tropical 3

 

Claro que conhecer a fundo os parentes que tanto influenciaram a protagonista é muito importante (e o filme faz isso bem até demais), porém não pode servir como desculpa para ignorar trechos arrastados demais, sequências longas que ignoram completamente a figura de Paola e até mesmo o final sem fôlego. O filme é simples e ágil na maior parte do tempo, mas parece ir se cansando com a aproximação daquele que deveria ser o auge da história.

Entretanto, não se engane com minhas próprias críticas, porque o filme também apresenta muitas ideias que merecem reconhecimento. Mesmo divididos nos tópicos acontecimentos espaçados de biografias, o desenvolvimento da protagonista é conduzido de forma perfeita no visual, no texto, no aspecto psicológico e em certas decisões que podem surgir em segundo plano. As barbies que são usadas como um ótimo alívio cômico nos dois primeiros atos, por exemplo, são descartado como rito de passagem em uma cena básica e simbólico que pode remeter as memórias de muita gente.

 

Vírus Tropical 4
Equipe do filme Vírus Tropical no FICCI 58

 

Além disso, a direção do colombiano Santiago Caicedo possui uma fluidez incrível e, acima de tudo, consegue resolver o problema da “falta de apelo visual” das animações latino americanas com apenas uma acertada escolha estética. De maneira muito inteligente, ele usa o 2D preto e branco como uma forma de reduzir gastos e ser fiel a pegada punk, suja e um tanto inacabada da arte da própria Paola – que, inclusive, é responsável pelos storyboards de personagem na produção.

O resultado da união de tantos fatores através de um esforço que levou cinco anos para alcançar as telas de cinema é, apesar dos seus problemas, muito acima da média em relação a qualquer outra animação produzida na América Latina. Além disso, Vírus Tropical (como o nome pode indicar) brinda o espectador com um conto franco e lírico de amadurecimento que espalha seu sangue latino por toda a trama. É uma história particular e muito interessante que, mesmo sem ter um final acertado, merece ser assistida em alguma sala que exiba produções independentes no seu estado.

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