Uma História de Amor e Fúria

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Uma História de Amor e Fúria é um filme brasileiro muito interessante e ambicioso que deveria ser assistido por todos. É um filme diferente que mostra que o cinema brasileiro pode – e deve – fazer filmes mais complexos, ambiciosos e diferenciados.

Uma História de Amor e Fúria é uma animação criativa escrita e dirigida por Luiz Bolognesi (“O Bicho de Sete Cabeças”). Esse filme, que marca a estréia de Bolognesi na direção, é um projeto pessoal do escritor e demorou 10 anos para ser produzido (6 anos só de produção). Apesar de alguns problemas, o filme comprova que foram 10 anos bem gastos.

O filme conta um pouco da história do Brasil através da saga de uma “entidade” imortal. O herói passa por diversos momentos dessa história movida pelo amor e pelo ódio. Especificamente, o filme conta quatro histórias situadas em épocas diferentes e divididas por episódios. O primeiro fragmento se passa em 1566 durante a tentativa de colonização francesa; o segundo é situado no século XIX para mostrar a revolta da Balaiada; o terceiro se passa na época da ditadura militar; e o último episódio leva o espectador para 2096 para mostrar um Rio de Janeiro distópico comandado pelas milícias modernas.

Todos os fragmentos mostram essas histórias conhecidas ou imaginadas pela visão do oprimido, ou seja, pela visão do povo que luta incessantemente contra o Estado. Essa opção de contar a história através do povo é interessante, mas acaba se perdendo um pouco em um maniqueísmo excessivo. O lado oprimido é sempre bom e heroico, enquanto o Estado (representado de maneiras diferentes nos fragmentos) é sempre o vilão. Esse maniqueísmo atrapalha um pouco o desenvolvimento dramático da história.

Esse desenvolvimento também é atrapalhado pela narrativa fragmentada. Quando a história engata e os personagens começam a mostrar suas histórias e seus dramas, o herói vira um pássaro (em um recurso narrativo criativo) e a história muda. Os personagens só não são atrapalhados porque são desenvolvidos através dos fragmentos. Os personagens são basicamente os mesmos, em épocas distintas, e por isso são desenvolvidos no decorrer da fita.

O roteiro é bom, mas é o quesito mais falho do filme. A narrativa quebrada, idéias desconexas, narrações didáticas e falas singelas prejudicam o andamento de Uma História de Amor e Fúria.

A revisão histórica realizada nos três primeiros fragmentos funciona esteticamente, mas não apresenta nada de novo. O trecho da ditadura poderia ser melhor desenvolvido, já que esse é um período histórico com muita capacidade dramática. Pouco desse drama é visto na tela.

O quarto trecho é o mais interessante exatamente por apresentar novidades. O futuro imaginado por Bolognesi é interessante, poderoso e irônico. As alegorias idealizadas pelo diretor funcionam com perfeição. A maneira como as milícias dominaram o mundo através do domínio da água. Inclusive, as milícias viraram empresas que tem ações na Bolsa de Valores. Toda a parte sci-fi proposta no filme é muito interessante, desde os arranha-céus maiores que o Pão de Açucar até o Cristo destruído, passando pela tecnologia e pela situação da água.

Além de tudo, Uma História de Amor e Fúria funciona como um filme de aventura e as cenas de ação são recorrentes e incessantes, apesar do filme não ter muitos efeitos. A direção muito boa de Bolognesi ajuda a dar uma certa fluência à essas cenas de ação.

Luiz Bolognesi também foi inteligente quando decidiu realizar uma animação. Um filme em live-action seria inviável dentro do cinema brasileiro. Além disso, o uso da animação permite que as licenças poéticas não pareçam tão viajantes ou loucas. No mundo das animações, tudo é permitido.

A animação, que é bem produzida e muito bonita, foi toda feita artesanalmente e baseada na performance do ótimo elenco de vozes formado por Selton Mello, Camila Pitanga (a Janaina tem muitas características físicas da atriz) e Rodrigo Santoro. A equipe de animação se inspirou em HQ’s, mangás e em animações antigas da Disney. Essa mistura de influências gera um resultado fantástico no filme.

Dentro dos desenhos, cada trecho foi realizado por um artista diferente e, novamente, o trecho futurista merece um grande destaque. A sincronização entre o desenho 2D e os efeitos realizados em 3D é perfeita.

Tecnicamente, o filme é muito bom. Tudo funciona. A edição, a trilha sonora, a direção de arte e os efeitos se encaixam com perfeição. A fotografia também é muito boa e merece destaque por ajudar a mostrar a transformação dos personagens. A fotografia, baseada nas estações do ano e nos elementos da natureza, acompanha o desenvolvimento dos personagens.

O resultado é uma animação voltada para o público adulto (o filme tem sexo, nudez e sangue) que pode ajudar a revolucionar o cinema brasileiro. Uma História de Amor e Fúria é um ótimo filme, embora eu preferisse um filme que só retratasse o brilhante futuro distópico criado no último trecho. Vale a pena ser visto por fugir da mesmice do cinema nacional.

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