Nova série da Netflix em parceria com KondZilla, Sintonia é a comunidade brasileira (mais precisamente São Paulo), em seu estado mais puro
O público brasileiro a cada dia se torna mais apaixonado por séries, em sua maioria as americanas. Elas demonstram um estilo de vida diferente, histórias que apesar de possuírem pontos parecidos com os nossos, não transmitem necessariamente a nossa realidade. Por muito tempo a máxima do “se eu quisesse ver a realidade ia assistir jornal”, tomou conta de muitos pensamentos, fazendo com que as produções audiovisuais nacionais ganhem um posto mais baixo em nossas preferências e acabem sendo deixadas de lado.
A síndrome de vira-lata do brasileiro é algo que existe até hoje e parece não ter sinais de melhora. Ligando o foda-se para isso, o KondZilla (maior canal do youtube do Brasil e América Latina e terceiro maior do mundo), se une a Netflix para trazer “Sintonia”, série de 6 episódios, que originalmente seria um curta.
Na história, três amigos praticamente inseparáveis vivem suas rotinas difíceis em uma comunidade da cidade de São Paulo. Donizete (MC Jottapê), Rita (Bruna Mascarenhas) e Luís Fernando (Christian Malheiros) são movidos pela música, pela fé e pelo crime respectivamente. Doni sonha em ser um cantor de funk desde criança, Rita quer alcançar a independência e usa a fé como muleta para tal, enquanto Nando é um traficante que a cada dia sobe mais na hierarquia de uma das facções mais cabulosas da área.
Sintonia passeia pela favela com bastante estilo, mostrando a realidade de muitos jovens da quebrada, que precisam se manter num mundo onde não existem privilégios e se existem, são seletivos.
No segundo episódio pro exemplo, Doni toma a arma de Nando, para que o mesmo não seja pego pela polícia, que já está na sua cola, além do fato de ser negro. A série de Felipe Braga, Guilherme Moraes Quintella e o já citado KondZilla quer discutir assuntos sérios, que por muitas vezes só ficam no imaginário do brasileiro, blindado pela mídia e pelas redes sociais. Existe um respeito para com as favelas do Brasil, desde a simplicidade narrativa e visual, até as gírias características da periferia de São Paulo.
Tal cuidado pode muitas vezes ser tratada como romantização, algo quebrado pelo texto de Duda de Almeida, Luíza Fazio e Pedro Furtado, já que antes de alcançar os dias de glória, os personagens sofrem o pão que o diabo amassou.
Falando no diabo, sua contraparte está bastante presente na figura de Rita. Desde conhecidos louvores, até o modo de funcionamento de uma igreja, acompanhamos a jornada de uma mulher forte e independente que gerava a própria renda, e acaba encontrando na fé um certo conforto e perspectiva de vida, sempre com o senso crítico ligado, rebatendo inúmeras conveniências religiosas.
O funk está sempre presente em Sintonia, com uma batida envolvente, e músicas de artistas como Kevinho, Kekel e MC Hollywood, além das faixas autorais da série, as chicletes “Amor Sem Compromisso” e “Passe de Nave” que grudam na cabeça, fazendo com que o espectador saia cantarolando.
A competente direção lida com a tensão de uma vida no tráfico, a medida em que foca em Nando e na sua caminhada. Uma câmera imaginativa trabalha com as possibilidades de um destino que parece cada dia mais cruel (como no excelente episódio 05). Ao mesmo tempo, estilo e personalidade mostram a rotina de gravações, shows e rendem uma discussão sobre sucesso, relativização do sonho e busca por contatos.
A glamourização do funk (presente desde o surgimento do estilo ostentação), faz um contraste direto com a realidade, com festas lotadas de brancos playboys, entoando o som das favelas em alto e bom som, enquanto o DJ Rennan da Penha, um dos idealizadores do Baile da Gaiola (presente em diversas músicas atuais) e um dos maiores nomes da música brasileira, continua preso injustamente.
Sintonia, por vezes ousa revelar um certo paralelo entre o crime e a religião, haja vista a desenfreada busca por dinheiro, mas se contenta em contar uma história marcada pela irmandade. As atuações dos três protagonistas (com destaque para Malheiros), estão acima da média, apesar da busca pela veracidade prejudicar alguns coadjuvantes, que segundo o próprio KondZilla não são atores.
O produtor deu uma oportunidade para vários deles, e muitos inclusive são ex-presidiários. A corrupção da polícia também dá as caras, mas é algo que pode ser mais explorado em uma vindoura segunda temporada, já que 3 contatos são assinados, 3 vidas serão completamente mudadas, mas o fluxo é só um parceiro: pra frente.