Nós | O novo mundo bizarro e pessimista de Jordan Peele

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Foto: Divulgação

Em “Nós”, o diretor de Corra! amadurece e entrega um estudo de traumas, consequências absurdas e uma visão trágica do que nos aguarda


Cada dia mais o mundo se torna um lugar extremista e intolerante. Seria improvável que Jordan Peele não tocasse nestes assuntos em seu mais novo filme, já que em Corra! o diretor se saiu tão bem nas vertentes do racismo e em questões de cunho social. Em “Nós”, Peele realiza uma composição cinematográfica do horror para dizer que a sociedade é um poço de ódio e apenas a civilização nos separa da completa barbárie.

Neste emaranhado disruptivo está a família Wilson, encabeçada por Adelaide e Gabe juntamente com os filhos Zora (Shahadi Wright Joseph) e Jason (Evan Alex), que decidem passar um tempo em sua casa de veraneio, até que recebem a visita de convidados inesperados, que são exatamente como eles.

Para que a experiência seja completa, isto é o máximo que você deve saber – já que “Nós” é surpreendente e provocativo a cada instante. Se em Corra! Peele pincelava uma tensão que crescia com o tempo, em “Nós” ela se mantém em linha reta desde a chegada dos visitantes indesejados.

Num trabalho conjunto de direção e iluminação – que envolve a utilização de penumbra e reflexos, é possível duvidar da existência de tais seres a todo instante. Repleto de metáforas visuais e escritas (preste atenção em cada diálogo ou até mesmo em cada detalhe das reportagens de TV), Peele amadurece como diretor, ao mesmo tempo em que homenageia mestres do terror/suspense como Alfred Hitchcock.

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Em certos momentos a tensão imersiva dá lugar ao cômico, principalmente na figura de Gabe vivido por um excelente Winston Duke. Ele é a figura do pai protetor que é totalmente desconstruída, fazendo dele a visão distorcida do patriarcado, um ser atrapalhado e fruto da sorte. O destaque mesmo vai para a perturbadora atuação de Lupita Nyong’o nas duas versões. O choro de Adelaide contrasta o sorriso e voz bizarros de sua contraparte (maligna?). É possível se importar com a família Wilson e em determinado momento a sensação de urgência é tão alta que tememos pela vida de todos, não querendo perder nenhum deles.

Se não fosse político não seria Jordan Peele, e em “Nós” o diretor destrói qualquer imagem de grandeza, colocando todos no mesmo patamar. “Se os negros geralmente morrem primeiro nos filmes de terror, em Us ‘(United States?)’, o que morre primeiro é o sonho americano.”

O conflito de classes, os imigrantes culpados por problemas que vieram antes deles, as barreiras mentais (e físicas) – é assim que Peele constrói mais um universo cercado de dor e consequências demoníacas – até mesmo pra quem já viu o filme. Revisitar o terror parece ser a decisão mais acertada a quem não captou todas as camadas.

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A trilha sonora de Michael Abels (em sua segunda colaboração com o diretor e seu segundo trabalho) merece ser exaltada, pois desde o prólogo até os minutos finais – passível de múltiplas interpretações, sintetiza que estamos vendo apenas a superfície, e de fato estamos. Há um mundo muito maior não explorado e Jordan Peele sabe da história que tem nas mãos, talvez por isso a fotografia de Mike Gioulakis (Vidro) utilize de contra-luz na cena final, revelando a luz oposta que teríamos de nossa protagonista, que acaba fazendo do seu trauma, o nosso.


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