Mr. Robot (3ª Temporada)

[Atenção: Essa crítica é um textão e tem uma porrada de spoilers de Mr. Robot.]

 

A primeira temporada de Mr. Robot chegou quietinha, comendo pelos cantos, e roubou todas as atenções de 2015 com a apresentação de uma trama complexa, atual e cheia de reviravoltas. A segunda temporada da história de Eliott Alderson, um hacker que agia como defensor dos inocentes na era tecnológica, ganhou toques de ousadia e loucura, mas deixou no ar a possibilidade de ser refém dos grandes plot twists. Apresentando um desenvolvimento mais direto e sem abrir mão das boas e velhas viradas de trama, a terceira temporada chegou para comprovar a qualidade do programa e colocá-lo, de uma vez por todas, no mesmo patamar de Mad Men, Breaking Bad e outras grandes séries dramáticas da história.

 

A trama desse ano começa praticamente do ponto onde a temporada anterior deixou os personagens de Mr. Robot: Eliott agonizando após um misterioso tiro proferido por um ainda mais misterioso Tyrell Wellick (que todos pensavam estar morto) e o restante da cidade mergulhada na escuridão de um blackout gerado pelo Dark Army. A partir daí, a série passa a explorar tanto a jornada de redenção do protagonista e sua vontade de reverter todos os problemas causados pelo primeiro hack, quanto a execução da misteriosa Fase 2 do plano original.

 

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E, por mais que estejamos falando de duas frentes teoricamente distintas, a terceira temporada não perde tempo, nem demora pra engatar. As motivações são colocadas na mesa sem muita enrolação, os dois lados dos roteiros entram em rota de choque logo nos primeiros episódios e as explicações não tardam a chegar. A série parece mais segura de si e amarra grande parte das pontas soltas com flashbacks que apresentam aspectos da infância de Angela, o surgimento da dupla personalidade de Eliott e, inclusive, o ponto de vista de Tyrell para a segunda temporada em um dos meus episódios favoritos. Sob certo ponto de vista, parece até que esses dez episódios são uma espécie de pedido de desculpas ou uma jornada de redenção pessoal do próprio criador do show.

 

E eu realmente acredito que parte dessas escolhas sejam respostas para as reclamações de que Mr. Robot é muito complexa, porém é fácil perceber que uma outra parte surge por necessidade da narrativa em si. Apesar de não escrever pessoalmente todos os episódios, Sam Esmail (Eu Estava Justamente Pensando em Você) tem influência direta no texto e sabe muito bem tanto onde está como para onde tem que ir. Ele já disse em entrevistas que enxerga Mr. Robot como um grande filme de cinco temporadas (cujo final já está planejado) e, depois de tantos mistérios acumulados, a própria série chegou em um momento, localizado geralmente entre o meio e final do segundo ato, onde precisa entregar respostas e preparar o terreno para aquela típica calmaria que precede a última tempestade.

 

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E é incrível como o roteiro consegue fazer com que mesmo aqueles episódios que parecem fillers, aquelas sequências que soam extremamente bregas ou as decisões mais novelescas funcionem no contexto dessa temporada. Tudo está sempre tão cercado por personagens complexos e emoções opostas que a simples amizade com uma criança tem o poder de resumir toda a temática de redenção apresentada até então. Só para exemplificar ainda mais, a revelação de que Pierce é pai de Angela também entraria nessa lista sem discussões, caso não surgisse brilhantemente intercalada com um dos momentos mais tensos do último episódio. É tão intenso e coeso com o restante da história que a “breguice” fica um pouco pra trás.

 

Além de encaixar com perfeição todas as peças de seu roteiro intrincado, Esmail também é um mestre na arte de rechear a série com cultura pop e temáticas atuais. Enquanto Donald Trump surge rapidamente como uma peça “decisiva” no tabuleiro de Whiterose, os paralelos cinematográficos enriquecem a experiência do espectador ao aproveitar desde o clímax de Superman – O Filme (1977) até a trilogia De Volta para o Futuro. Quando a narrativa precisa mostrar a busca da população pela esperança, o texto reúne várias pessoas em frente à televisões que exibem aquele momento clássico em que o Homem de Aço gira o mundo ao contrário para voltar no tempo e salvar todo mundo. E, mais do que isso, a mesma cena também reflete o poder recém-adquirido por Eliott de reverter (girar o mundo assim como o herói, saca?) o hack, encerrando o arco do personagem sem precisar de muitas palavras.

 

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Ao mesmo tempo, a direção, que continua controlada totalmente por Sam Esmail, surge mais madura, experimental e ousada do que nunca. Mr. Robot usa e abusa das mais variadas técnicas cinematográficas para criar um verdadeiro espetáculo visual que vai desde a construção do senso de urgência em quase todos os finais de episódio até a troca entre planos  abertos e fechados para jogar o espectador em um universo de claustrofobia e isolamento. Esmail usa truques de edição para criar lapsos que surgem quando a persona de Eliott é roubada por seu pai, engana o espectador em relação ao posicionamento temporal do incrível final do sétimo episódio, coloca cabeças de emojis nos personagem para reforçar suas emoções, testa enquadramentos completamente fora da caixinha, muda o formato da tela para extrapolar os limites da relação entre o protagonista e o cinema e chega ao seu ápice quando entrega um episódio INTEIRO em plano-sequência.

 

O quinto episódio da terceira temporada é, na minha opinião, a maior obra-prima produzida pela televisão em 2017, porém encontra seu verdadeiro valor quando comprova que a direção escolhe tais técnicas com total consciência. É inovador e bonito esteticamente, mas além disso é necessário para a história. Nesse caso, o plano-sequência – exibido sem comerciais para garantir o efeito desejado – coloca o espectador no meio da ação, cria uma tensão claustrofóbica absurda e ressalta, em tempo real, a correria vivida pelos envolvidos na confusão do prédio.

 

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E pra finalizar, temos que falar das atuações brilhantes que se tornam, cada vez mais, as cerejas que dão cor e complementam todos os acertos dissecados acima. Rami Malek (Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba) continua interpretando um Eliott surtado, cheio de camadas e preso nas suas própria dúvidas, Portia Doubleday (Carrie: A Estranha) cresce junto com as nunces ainda mais inesperadas de Angela e Martin Wallström (Wallander) volta a ter o destaque que merece com o retorno bastante complexo de Tyrell, enquanto Carly Chaikin (A Última Música) e Grace Gummer (Frances Ha) ganham suas próprias tramas e não decepcionam.

 

Christian Slater (Caçadores de Mentes) aproveita a mudança de status da relação entre Eliott e Mr. Robot para brilhar ainda mais. E isso contar – ou esmiuçar tanto – com a bem-vinda adição de Bobby Cannavale (Master of None) como o sarcástico e ameaçador faz-tudo do Dark Army, o show de BD Wong (Jurassic World) com as múltiplas personalidades de Whiterose ou as pequenas participações do rapper Joey Bada$$ como o assassino Leon. Eu juro, do fundo do meu coração, que esse último é um dos meus personagens favoritos, chegando a arrancar pequenas vibrações de minha pessoa quando surge em tela.

 

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É muito provável que o quociente de todos esses acertos indiscutíveis seja a melhor temporada de Mr. Robot desde sua estréia disfarçada e arrebatadora. Talvez o terceiro ano perca apenas para o primeiro por uma mera questão de primeiro contato com aquele universo, considerando que os últimos episódios estão menos reféns de plots reconhecidos e mais originais. E isso faz com que os personagens fiquem mais complexos a cada episódio, o visual encha os olhos de qualquer amante da sétima arte o roteiro tenha todas as armas para prende a atenção do seu público. Definitivamente imperdível, a obra de Sam Esmail já entrou pra lista dos melhores com folga e só deve melhorar até chegar ao seu já anunciado final!

 


OBS 1: Como não coube tudo no texto corrido, decide separar mais alguns paralelos cinematográficos que chamaram minha atenção logo abaixo.

 

  • No oitavo episódio, que se passa no dia 21 de outubro de 2015, Eliott leva uma criança a sessão especial da trilogia “De Volta para o Futuro” e escuta uma mulher resumir que os longas seriam sobre como um erro pode mudar o mundo. Isso reforça a forma como o protagonista enxerga sua atuação no hack inicial. No entanto, quando entra no carro de um sorveteiro arábe alguns minutos depois, ele escuta uma passagem icônica da versão de Guerra dos Mundos que Orson Welles fez para a rádio na década de 40, enquanto seu companheiro de viagem explica que a história não é sobre destruição, e sim como o ser humano sempre sobrevive. É um pensamento quase oposto ao anterior e olhar de Eliott revela que seu panorama muda levemente a partir daquele instante.

 

  • Lá no décimo episódio, o protagonista descobre que seu pai/alter ego foi o responsável por deixar margens para desfazer o hack e que as chaves estão escondidas em uma foto dos dois. Curiosamente a resposta está em uma foto onde os dois fazem um cosplay de Doc Brown e Marty McFly, indicando justamente que aquilo ali oferece a chance de “voltar no temo” e reverter tudo.
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