Mãe Só Há Uma

Um conto social sobre aceitação e liberdade


mae_so_ha_uma_posterMinha curta carreira como pseudo-crítico de cinema sempre foi marcada por inúmeras críticas à repetição de gêneros, ideias e estéticas dos longas brasileiros, mas preciso admitir que a primeira nota parece ter aberto a porteira. Só nesse mês já escrevi com extrema felicidade sobre Aquarius, O Roubo da Taça e, agora, Mãe Só Há Uma, sendo que todos os três se encontram ao utilizar formas completamente diferentes para falar sobre questões importantes da nossa sociedade.

[Aviso: Não resisti e dei spoiler sobre o final para comentar algumas metáforas!]

Pouco tempo depois do sucesso avassalador de Que Horas Ela Volta?, a nova produção de Anna Muylaert se baseia livremente no caso do menino Pedrinho para seguir Pierre (Naomi Nero), um jovem que foi roubado da maternidade e criado por outra família até os 16 anos. O problema de adaptação após a descoberta é latente, no entanto a maior dificuldade está no fato de que o estilo misógino e livre do protagonista não chega nem perto de se encaixar na rígida estrutura familiar de Mateus (Matheus Nachtergaele) e Glória (Daniela Nefussi).

O mais interessante é que Anna opta por desenvolver essa trama em torno de diversos conflitos muito comuns em diversos lugares do mundo, passando por dilemas que envolvem classes sociais, preconceito, escolhas éticas, religiões, juventude, sexualidade e tantos outros que possuem um destaque menor. Ao mesmo tempo, ela também foge de um conflito em particular ao escalar a mesma atriz para interpretar as duas mães. Uma decisão relativamente simples que enrique o sub-texto do longa e até cria uma brincadeira literal com o título.

Aproveitando cada um dos conflitos incluídos no seu próprio roteiro, a diretora atravessa o longa por uma enorme confusão apoiada na constante câmera de mão, na inúmeras cenas que começam nos detalhes para só depois contextualizarem o espectador em um plano aberto e um conhecimento absurdo da linguagem cinematográfica. Anna Muylaert sabe exatamente quando usar os ângulos como metáforas, optar por manter a câmera parada em momentos muito longos e desenvolver as relações entre os personagens de um jeitinho muito sutil

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Isso tudo culmina em um terceiro ato impressionante, onde Anna parece ter escolhido a dedo quatro cenas para representar a liberdade e a aceitação que todos queremos. A cena do provador e do boliche funcionam como o estopim de uma guerra familiar, enquanto a cena em que Pierre deita no sofá com o vestido possui um sentido muito próximo da cena da piscina protagonizada por Regina Casé no filme anterior. Já a última cena acaba sendo brilhante, justamente por encontrar vários sentidos de acordo com a visão de cada espectador. Tentando não contar tudo na cara dura, eu terminei imaginando que o Joca encontrou uma forma de libertar aquele desejo profundo que poderia ser repreendido pelos pais.

Para coroar esse trabalho maduro de roteiro e direção, o longa ainda encontra apoio nas atuações espetaculares do iniciante Naomi NeroMatheus Nachtergaele (O Auto da Compadecida), Daniela Nefussi (Bicho de Sete Cabeças), Lais Dias (Os Amigos) e Daniel Botelho. Todos possuem ótimas cenas em diversos momentos do filme e explorando as emoções na medida certa, mas o protagonista merece todos os elogios do mundo pela construção magnífica de Pierre desde a primeira cena. A apresentação desse menino que transa com mulheres usando uma cinta-liga mexe com o público e inicia uma jornada digna de atenção da família tradicional brasileira.

O resultado é um longa excepcional, bem produzido e contundente que merece marcar esse ótimo ano do cinema brasileiro, comprovando que Anna Muylaert é uma das principais realizadoras do país. Um filme simples e bem curto que pode mexer com o espectador, chocar alguns desavisados e ainda nos fazer refletir sobre vários aspectos sociais presentes dentro e fora do Brasil com uma sutileza única. Em outras palavras: Mãe Só Há Uma é foda e merece ser assistido logo!


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