Crítica: Legion (2ª Temporada)

Uma série situada quase que completamente na mente de seu protagonista louco que abusou da liberdade e da criatividade de Noah Hawley (Fargo) para refrescar o gênero de heróis em geral. Essa é uma forma simples e completa de classificar Legion sem ficar babando o ovo e repetindo que ela foi uma das melhores produções televisivas nos últimos anos. E talvez seja justamente essa lembrança maravilhosa que deixe tão amarga a ideia de ter acompanhado uma segunda temporada um tanto quanto repetitiva, arrastada e confusa demais.

Mas calma, não se engane: Legion continua sendo uma obra extremamente criativa e mantém o investimento nesse lado em dia, principalmente nos aspectos visuais e sonoros. Os elementos mais cartunescos são usados sem parcimônia (ainda bem), os formatos de tela se alteram de acordo com a necessidade narrativa, os cenários monocromáticos surgem como um recurso simples e funcional, as cores possuem significados e sentimentos, os efeitos sonoros também são peças-chave na hora de contar a história e a trilha sonora recusa qualquer comentário. A sequência de abertura do último episódio é o maior exemplo de reunião de todos esses aspectos que essa temporada entregou, misturando uma versão sombria de Behind Blue Eyes, do Limp Bizkit, com referências à cultura pop e muita luz fluorescente.

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A verdade é que Noah Hawley é um mestre na arte de usar a linguagem cinematográfica, em sua forma mais pura, como ferramenta para superar desafios orçamentários. Contando com ótimas atuações de Dan Stevens (A Bela e a Fera), Navid Negahban (Homeland) e do restante do elenco, Hawley faz muito com pouco, abusando do uso certeiro da câmera lenta, das mudanças de eixo e de ângulos diferentes para enriquecer seus enquadramentos, enquanto mistura gêneros, dinâmicas e estilos a cada sequência. Essa capacidade transitar entre documentários e filmes de terror durante a mesma cena sem perder qualquer chance de encher, visualmente, os olhos do espectador é uma das qualidades que mantém Legion no panteão das grandes produções televisivas apesar dos escorregões desse último ano.

Eu digo isso porque a história do retorno de David após o gancho a primeira temporada e seu suposto confronto final com o Rei das Sombras teve um desenvolvimento, no mínimo, mais questionável que o da temporada de estréia. E, mesmo sem ser necessariamente um problema, o didatismo cada vez mais exagerado é uma mudança que pode ser considerada um sintoma de onde o show foi parar após a audiência baixa ser conectada (erroneamente, na minha opinião) com a ausência de explicações presentes no roteiro. A confusão era uma característica primordial da mente de David e, de certa forma, faz sentido que a mesma esteja diminuindo com o desenrolar das tramas e abrindo espaço até mesmo para um episódio totalmente voltado para dura missão de explicar o conceito de multiverso.

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No entanto, o fato do mesmo episódio não ter nenhuma conexão importante acaba sendo um sintoma ainda maior de uma produção perdida em um oceano de núcleos, tramas, subtramas e ideias que compartilham uma ligação muito frágil entre si. Isso me fez chegar a uma conclusão que, apesar das chances de estar completamente equivocada, possui alguma coerência com o que eu senti durante os onze episódios da segunda temporada de Legion: a criatividade o visual da série – que, repito, permanece espetacular – não parecem estar “servindo” a história certa. Eu sei que isso parece um pouco pesado, mas vou tentar explicar melhor…

Só pra exemplificar, a primeira temporada vendia uma pose de complexa sem possuir de fato a trama mais difícil do planeta, mantendo essa “complexidade” toda exclusivamente na maneira fragmentada e diferente como a história era contada. Enquanto isso, esse ano apostou em inúmeras viagens no tempo, possessões de corpo e outros artifícios narrativos que dificultaram o desenvolvimento da história em si, exigindo atenção redobrada do espectador. O que antes era apenas uma trip louca que cercava um todo que podia ser explicado em um único episódio tornou-se algo que precisa de um público atento não só aos detalhes que povoam cenários e referências artísticas como em uma narrativa cheia de peças ambiciosas que injetaram confusão e demoraram demais pra fazer algum sentido (quando fizeram…).

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É aqui que o didatismo exagerado que citei lá em cima volta com cara de ser a maneira encontrada pelos próprios roteiristas de ficar explicando a história repetidamente para eles mesmos, considerando que sua utilização nem sempre entrega respostas necessárias. É claro que estamos falando de Legion e eu jamais vou cobrar que a série fique mastigada, porém o uso equivocado das justificativas não só deve ser considerado um erro grave como pode tirar a liberdade de uma série que teve a ousadia de fazer até mesmo um episódio quase todo mudo. Eu não acho que esse “polimento” da direção aconteceu com uma frequência tão preocupante aqui, mas os roteiristas apelaram sim para um excesso de explicações que, por não terem função, deixaram diversos episódios bastante arrastados.

Eu não sou o dono da verdade e posso estar totalmente errado nessa teoria, mas tenho certeza que gosto muito mais dessa sacada de pegar uma história relativamente simples e contar de uma maneira que seja surtada e criativa. O fato de ser uma continuação parece ter obrigado Legion a construir uma trama maior, mais complicada e que tentasse reinventar o mundo das séries mais do que sua estréia tinha feito. A questão é que eles apostaram nos cavalos errados (grandiosidade nunca foi a maior qualidade da temporada passada) e comprovaram isso quando deixaram a subtrama mais básica da série se transformasse no feixe de luz que salvou a temporada. No caso, estou falando, especificamente, do processo de vilanização de David Haller.

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Essa foi a única coisa que, mesmo embolada, a série conseguiu manter em ordem desde o episódio um. Acredito que isso poderia ter tido mais destaque na temporada, mas entendo a ideia de plantar as pistas desde o começo e culminar tudo numa reviravolta que trouxesse tudo o que a série tem de melhor para o tabuleiro. Indo da citada sequência de abertura musical até as quebras temporais organizadas, passando pela câmera efusiva do clímax, Noah Hawley e sua equipe entregaram um episódio final intenso, divertido, louco e criativo que trouxe de volta a primeira temporada enquanto apontava caminhos esperançosos para o futuro. Eu tenho certeza que, se as lições certas forem aprendidas, Legion vai deixar pra trás essa partida embolada pra trás e usar esse belo gol aos 45 do segundo tempo como guia para uma terceira temporada que, graças a mudança de lado do seu protagonista, já nasceu fora da sua zona de conforto.


OBS 1: Em tempos de Copa do Mundo, não resisti a fazer uma referência futebolística abençoada por menino Neymar… O Hexa vem!

OBS 2: Minha nota ficou entre 3 e 4, pendendo para o maior lado graças ao último episódio.

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