Ida

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Ida, representante polonês no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, é uma obra de arte. Seu formato de tela, sua fotografia, seu enquadramento, seu desenvolvimento, suas atuações foram escolhidas a dedo para que o filme fosse muito mais do que um novo olhar sobre a Segunda Guerra Mundial.

O longa segue Anna, uma jovem noviça que é obrigada por sua madre a encontrar com uma tia desconhecida antes de selar seus votos. Esse encontro acabado unindo dois opostos em uma busca pelo passado que acaba virando um grande questionamento sobre o presente.

O roteiro tem um desenvolvimento bem calmo e simples, mas esconde uma complexidade gigantesca no seu contexto. É muito interessante como o roteiro consegue, através de um olhar peculiar, abordar temas que podem ser considerados tabus. O principal deles é a religião, mas acredito que o Holocausto também seja um assunto sensível em um país tão afetado pela guerra, como a Polônia.

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Parte muito importante desse desenvolvimento é a relação entre Anna e sua tia, Wanda. As duas têm personalidades e estilos de vida completamente distintos, mas tudo ali é cercado de um sentimento verdadeiro. Gostei de como o roteiro constrói essa relação, que coloca em cheque a religião, utilizando tanto o drama, quanto uma pitada de comédia.

E o mais interessante disso é que tudo é apresentado da maneira mais sutil possível. Toda a construção do longa é feita através de longos silêncios e diálogos muito curtos. Não temos grandes monólogos sobre o sofrimento dos judeus, mas sentimos toda a dor dos personagens – e, de certa maneira, daquele país – através de olhares singelos e silêncios significativos.

É aqui que também fica bem clara a importância da direção extremamente artística de Pawel Pawlikowski, principalmente pela maneira como ele conduz o filme e traduz a sensibilidade existente no roteiro. A começar pela fotografia em preto e branco (merecidamente indicada ao Oscar) e pela escolha de um formato de tela menor que o do cinema. Eles ajudam a manter o foco em alguns detalhes e dar um aspecto fotográfico, como se tudo aquilo estivesse saindo de um álbum antigo.

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Para ressaltar esses aspectos, ele também opta por filmar praticamente todo o longa através de planos-sequência e câmeras fixas. Assim somos agraciados com longos momentos de quietude, onde uma câmera completamente imóvel filma as cenas de enquadramentos perfeitamente calculados e até diferentes. Realmente muitos momentos soam congelados e ficam parecendo fotografias da época.

Isso faz com o que o trabalho da edição se torne muito importante, já que é ele que dá a movimentação às cenas. No entanto, ela também mantém a ideia do diretor e usa esses takes longos ao máximo, de maneira que o público chegue a se surpreender quando um plano dura menos de 20 segundos.

Esse jogo de câmeras, escolhido por Pawel e toda sua equipe, parece ser pouco versátil no começo, mas acaba ao poucos se revelando muito mais intenso. Dando muita importância para o espaço in off, ou seja, fora do enquadramento, o diretor cria cenas singelas e extremamente tocantes, como a de Anna soltando seu cabelo ou beijando pela primeira vez.

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Um dos melhores exemplos dessa técnica de filmagem acaba sendo a cena do suicídio. Enquanto um filme americano optaria por mostrar toda a ação ou até focar no corpo depois da morte para chocar seu público, Pawel consegue gerar um choque ainda maior ao realizar esse momento com uma câmera posicionada na porta da sala da personagem. Assim, vemos toda a preparação e o ato de se jogar da janela de um ponto de vista único e sóbrio, mas ficamos impressionados com a frieza da cena e queremos saber mais sobre aquele acontecimento.

O grande uso do espaço in off e os planos fixos contínuos dão ainda um grande trabalho técnico para os atores, que não podem se desligar e pensar só na construção emocional dos personagens. E é corretíssimo afirmar que eles não decepcionam, principalmente a dupla principal.

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Agata Trzebuchowska, que foi encontrada por acaso no bar e, infelizmente, não pretende seguir carreira de atriz, dá um verdadeiro show como Anna. Seu olhar singelo e seus trejeitos corporais simplórios traduzem de maneira divina a complexidade de sentimentos e emoções da personagem. O sofrimento da perda, os confrontos pessoais com sua religião e sua prova final fazem de Anna uma personagem difícil e Agata consegue representar isso com o seu silêncio.

Mas sua principal parceira de cena, Wanda, também não deixa por menos, assim como sua intérprete. Agata Kulesza também tem em mãos um personagem muito complicado, que perdeu toda sua família para o Holocausto (mesmo que de maneira indireta), se ligou a uma sobrinha que está desperdiçando a vida no convento e chegou ao seu limite emocional.

Ida é um filme que esconde seu brilhantismo sob a simplicidade, mas não deve ser mal visto por isso. É um filme lento, mas que não se arrasta em nenhum momento. Sua estrutura e suas escolhas estéticas fazem dele uma obra de arte, mas, ainda assim, uma daquelas que não vai ser apreciada por todos.

OBS 1: Como diria um grande amigo meu: “Gosto é igual braço. Tem gente que não tem”. E, infelizmente, ao vejo grande parte do público habitual não gostando desse filme.

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