Garota Exemplar

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Outubro é o mês onde começam a chegar aos cinemas a maior parte dos filmes que almejam alguma indicação ao Oscar, já que a proximidade com as votações preliminares deixam o filme fresco na cabeça dos votantes. Seguindo a critica internacional – e excluindo alguns filmes que já estrearam há mais tempo e continuam com alguma chance – Garota Exemplar deve ser o filme que vai marcar o início dessa temporada que, no Brasil, deve durar até fevereiro ou março. Visando adiantar minha análise dos indicados e assistir um filme de David Fincher nos cinemas, fui correndo ver o filme e me deparei com algo que deve ser mais do que só um candidato ao Oscar.

Baseado no best-seller de mesmo nome, escrito por Gillian Flynn, Garota Exemplar começa no dia do aniversário de 5 anos de casamento de Nick e Amy, um casal que aparenta ser perfeito. A data, que tinha tudo para ser feliz, vira de cabeça pra baixo quando Nick entra em casa e descobre que sua mulher desapareceu. A situação só piora, quando o casamento deles vai sendo desmontado e Nick vira o principal suspeito do crime. A partir daí, tudo vira um caos onde nada é o que parece ser.

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Tomando o devido cuidado para não entregar nada da história cheia de reviravoltas, posso dizer que o filme é um suspense espetacular e intenso. O roteiro, escrito pela própria Gillian Flynn, é construído de maneira minuciosa e em perfeito encaixe com a direção de Fincher e com toda a parte técnica do longa. É interessante que, mesmo sem ler o livro, dá pra perceber que ele segue uma divisão de dias, que funcionam como capítulos que vão guiando o público pelos vários pontos de vista, narrações e momentos que são apresentados no filme.

Mas o que mais me impressionou foi o desenvolvimento centrado da história, já que tudo gira em torno do jogo de aparências. Não importa se estamos falando do casamento, das investigações policiais ou da manipulação midiática, esse “jogo de esconde e mostra” está presente de maneira decisiva para o desenrolar dos acontecimentos. No caso da mídia, o filme é ainda mais incisivo e usa um cinismo pontual e ácido para criticar tanto a mídia que tenta manipular tragédias, quanto a que é manipulada por fatores externos.

Esse lado do filme me surpreendeu, já que abre um espaço para discussões interessantes dentro de um longa de temática prioritariamente policial. E sua construção ácida, com destaque para o advogado interpretado por Tyler Perry, ainda traz uma certa comicidade para o filme, quebrando a tensão ou movimentando os trechos mais lentos.

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Logicamente que existem aqueles momentos mais arrastados, onde o filme precisa estabelecer os personagens, entretanto esses que são muito bem cadenciados por Fincher e pelo editor Kirk Baxter. Por exemplo, no início, que é mais lento, eles vão entrecortando a história com vários flashbacks, que vão completando as informações, mudando a imagem que tínhamos do casal e intrigando o espectador. Tudo isso é feito com cortes bruscos que funcionam na maior parte do tempo.

David Fincher não exagera nas tomadas, mas mostra ter pulso firme suficiente para escolher o que o público deve saber e o que deve ficar escondido. Ele também demonstra o habitual rigor técnico com os outros elementos, como a fotografia e a trilha sonora. A primeira é comandada pelo seu frequente colaborador Jeff Cronenweth, que, mesmo deixando de lado a fotografia esverdeada que o diretor tanto usa, continua baseando seu trabalho no jogo de cores. O presente, onde ocorre a investigação, é frio, enquanto os momentos passados de felicidade do casal ganham aspectos mais leves e coloridos no início. Também existem outras cenas que ganham uma fotografia certeira, mas eu entregaria o filme se falasse sobre elas.

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A música, ao lado de um trabalho de sonorização brilhante, também tem um grande destaque. Trent Reznor, que trabalhou com o diretor nos seus últimos dois filmes, acerta em cheio nas composições sintetizadas e eletrônicas. O clima do filme já é pesado, mas o público fica elétrico a cada momento em que a trilha entra. Ela não está ali pra anunciar algum acontecimento (inclusive a reviravolta choca ainda mais por vir depois de um corte seco e sem som), mas para acompanhá-los e ditar o ritmo do longa. Seu ápice é em uma cena bem sangrenta, onde a música e a edição casam perfeitamente e deixam o público preso na cadeira.

Fincher também é conhecido pela capacidade de dirigir atores e eu não me surpreenderia se algum desses conseguissem pelo menos uma indicaçãozinha. O tão criticado Ben Affleck continua na sua jornada de amadurecimento e faz um ótimo trabalho como Nick Dunne. Seu personagem é cheio de camadas e segredos, que ele maneja bem e não deixa cair no caricato ou no irreal.

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Ainda assim, sua atuação é mais contida que a de sua parceira de cena, já que Amy consegue ter ainda mais camadas que Nick. Rosamund Pike foi uma escolha pessoal do diretor e ela consegue se justificar com muitos méritos, mexendo com a cabeça do público tanto nas cenas de romance quanto nos momentos mais violentos e inesperados.

Dos coadjuvantes, eu só consigo separar três destaques. Tyler Perry e Carrie Coon fazem bons trabalhos como Tanner Bolt, o advogado, e Margo Dunne, a irmã gêmea de Nick, sendo geralmente o foco dos momentos ácidos. O outro destaque acaba sendo negativo, mas não por culpa do ator e sim do roteiro que apresenta o personagem de maneira apressada. O desenvolvimento do personagem de Neil Patrick Harris (de quem sou fã por conta de How I Met your Mother) consegue funcionar, mas eu fiquei bem incomodado com seu surgimento repentino e mal calculado.

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No fim das contas, Garota Exemplar é um suspense de alto nível, que se destaca por ter um desenvolvimento certeiro e um lado critico bem trabalhado, tanto da manipulação da opinião pública, quanto da linha tênue entre o amor e ódio em que está um casamento. Um filme com pouquíssimos erros, que prende e choca o espectador (principalmente aquele que não leu o material original) na medida certa, como um bom filme de David Fincher. Vale muito a pena ser visto.

OBS 1: Assistir esse filme do lado de sua namorada, noiva ou mulher é um grande risco, por que a maneira como o filme aborda o casamento dá um pouco de medo. O jogo de aparências vai ter capacidade de te fazer pensar duas vezes sobre esse ato de amor.

 

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