Esse poderia ser só um filme de romance, com pitadas de drama e ficção científica. E seria, se não fosse obra de Spike Jonze, uma das mentes mais criativas e insanas do cinema.
Ela conta a história de Theodore, um homem, recém separado e meio solitário, que se apaixona pelo sistema operacional do seu computador que consegue pensar e ter sentimentos.
Spike Jonze é um cara bizarro e seu nome sempre está ligado a coisas estranhas, diferentes, inovadoras e criativas. Sempre em filmes independentes ou curtas, Spike usa toda a sua genialidade para misturar gêneros e subverter clichês. Jonze é a mente por trás do genial Quero Ser John Malkovich e dos inusitados Adaptação e Onde Vivem os Monstros. Ele também é o criador e um dos produtores do grupo Jackass.
E esse filme não é diferente. De maneira sensível e divertida, Spike cria sua versão de uma comédia romântica, construindo todo o relacionamento de uma maneira que beira o clichê, sem levar em conta que o romance é entre um homem e uma voz personalizada que sai do seu computador.
O roteiro brinca em diversos momentos com a dificuldade de se ter um relacionamento. O “casal” briga, viaja e até faz sexo, como se fossem duas pessoas normais. O relacionamento começa e termina como se fosse algo normal e isso vai criando diversas cenas estranhas, mas intensamente divertidas.
Spike também brinca com sentimentos e com fatores humanos, mas faz isso de maneira inteligente, madura e surpreendente. Ela mostra como o ser humano é inquieto e limitado e por isso sofre, mas também se alegra e evolui com cada experiência. E acreditem ou não, é o computador – mais humano que o normal – que ensina tudo isso para o complexo personagem principal.
A mistura de gêneros, que eu comentei no inicio, também marca presença. O filme tem alguns elementos de ficção científica, como o vídeo game e o próprio sistema operacional, que parece um pouco com o HAL9000 de 2001:Uma Odisseia no Espaço (só que menos violento e psicopata…). Também temos um drama cadenciado que nunca se sobrepõe a comédia romântica que toma conta do filme.
O filme ainda contém uma ótima critica social relacionada à substituição dos relacionamentos físicos e pessoais por outros virtuais, algo muito comum na sociedade atual, que é um pouco carente de relações verdadeiras. Uma critica sublime às pessoas que vivem ligadas aos seus computadores e smartphones e deixam relações importantes passarem despercebidas.
Observem essa como essa critica está presente em todo o filme. As pessoas conversam menos do que hoje e até contratam serviços que escrevem cartas amorosas por eles (trabalho do próprio Theodore). O filme ainda aproveita para deixar no ar uma pergunta importante: “Esses relacionamentos são reais?”. Os computadores são programadas de acordo com os padrões mentais do seres humanos, mas são capazes de substituir um relacionamento humano?
A parte técnica é tão sensacional quanto o roteiro. A direção de Jonze está cada vez mais segura. Fato comprovado pela sensibilidade que o diretor tem para contar essa história, já que ela é simples e bonita (mesmo que um pouco surtada).
Spike é um diretor que amadureceu fazendo curtas e já chegou pronto ao cinema, mas sua direção vai ficando cada vez melhor. É verdade que ele brinca menos com movimentos de câmera ou angulações, mas isso é condizente com o filme, logo também evidencia o amadurecimento do diretor.
A maneira como a direção se encaixa com as outras categorias técnicas também é impressionante. A fotografia neutra e os cenários futuristas casam perfeitamente e criam um mundo que é a cara de Spike Jonze. Juntando tudo isso, Spike cria cenas belíssimas, filosóficas e maduras.
Para que o filme funcionasse, seria necessário que o elenco fosse forte e perfeito. Mais um acerto do filme de Spike. Joaquin Phoenix está sensacional, assim como Scarlett Johansson, Amy Adams e Rooney Mara.
O primeiro é um dos melhores atores dessa geração (e só agora eu percebo que sua atuação soberba foi esnobada pelos votantes do Oscar) e comanda o filme. Todas as emoções de Theodore são passadas com exatidão. Solidão, tristeza, alegria, esperança, desespero e outras sensações de um personagem complexo e cheio de nuances.
O trabalho de voz de Scarlett também deve ser exaltado. Assim como Joaquin, ela consegue passar todas suas emoções de maneira quase cirúrgica, usando apenas a voz. É incrível como até a voz dessa mulher é sensual. Algumas pessoas chegaram a defender uma indicação – merecida – de atriz coadjuvante para a Johansson, mas isso seria demais para os velhos da academia que ignoraram o próprio Joaquin.
Amy Adams e Rooney Mara aparecem pouco, mas tem participações vitais dentro da história. Ainda temos dentro do elenco, participações singelas de Chris Pratt e Olivia Wilde.
Um filme que pode gerar emoções distintas no público. Tem a capacidade de ser surpreendente, emocionante, melancólico, engraçado e outras coisas mais. Mas é inegável que o filme é critico, bonito, criativo, inteligente e intensamente poético. Spike Jonze merece aplausos mais uma vez.
OBS 1: É muito interessante a maneira como a sociedade aceita a existência dos sistemas operacionais. As pessoas andam nas ruas falando sozinhas em voz alta sem serem taxadas como loucas. As pessoas tem encontros com seus celulares em parques e até fazem encontros duplos com outros casais, como se namorar uma inteligência artificial fosse a coisa mais natural do mundo.
OBS 2: As cenas externas da cidade do futuro foram gravadas em Shangai, China.
OBS 3: A voz de Samantha foi originalmente feita por Samantha Morton, mas já na edição do filme, Spike decidiu mudar o personagem e chamar Scarlett Johansson para dublar o sistema operacional.
Por Flávio
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