É Fada!


Vou começar o texto sendo completamente sincero com vocês (como sempre faço): meu objetivo do mês era passar muito longe de É Fada!, porque o trailer já entregava vários problemas que o cinema nacional ama ficar repetindo. Não tenho nada contra a Kéfera, mas estava muito claro na minha cabeça que seria um filme bobo, preguiçoso e completamente apoiado em uma figura popular, assim como já aconteceu com Angélica, Xuxa, Daniel e tantos outros artistas brasileiros. O único diferencial que poderia importar aqui é que essa deve ser a primeira grande produção estrelada por uma youtuber e seus milhões de fiéis seguidores.

Fora esse teste de influência e algumas piadas razoáveis, o filme é exatamente tudo o que eu esperava. O roteiro escrito por Patrícia Andrade e Fernando Ceylão (com base na história teen de Thalita Rebouças) é um das coisas mais previsíveis, instáveis e mal explicadas que eu já assisti. É um verdadeiro show de erros que entrega todas as viradas da trama nos primeiros minutos, carrega todos os momentos com diálogos exagerados e ainda pesa a mão nas situações sem justificativa nenhuma.

Já estou lançando uma campanha para tentar entender algumas coisas: a) porque a mãe da Júlia não compra as roupas caras pra filha dançar, sendo que implorava pra ela se vestir como as amigas ricas? b) qual é a função de toda aquela sequência da prisão do amigo (João Fernandes) da protagonista? c) porque diabos os roteiristas decidiram que a melhor forma de desmontar as mensagens sobre futilidade seriam em um rap meia boca no terceiro ato? Terminei a sessão com outras dúvidas, mas vou ficar satisfeito se encontrar respostas para essas.

E como se esses absurdos de roteiro não fossem suficiente, É Fada! ainda encontra grandes problemas na hora de definir o seu público-alvo. Digo isso, porque o início do filme tem piadas com futebol, alguns palavrões e uma fada tirando a varinha de condão da bunda, enquanto o desenvolvimento da história e dos personagens beira o infantilismo completo. É um filme ligeiramente pesado para crianças muito novas, mas também não conseguiria (na minha opinião) prender a atenção dos mais velhos por muito tempo. Em outras palavras, o público-alvo acaba sendo especificamente os 9.535.381 inscritos que o canal da Kéfera possuia no instante em que esse texto foi escrito.

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Considerando os números de bilheteria dos filmes brasileiros, essa situação poderia ser a primeira prova de que a escolha da youtuber não foi nada mais do que uma brilhante sacada comercial. Ela certamente se apropriou completamente do longa, mas merece um pequeno elogio pelas constantes tentativas de fugir daquela caricatura apresentada no YouTube. Apesar de algumas caretas típicas e participações forçadas da sua mãe e do seu cachorro, eu preciso admitir que Kéfera Buchmann faz algum esforço para não ser ela mesma quando está interpretando Geraldine.

Não é o suficiente para impressionar o público que desconhece a atriz, entretanto seu carisma funciona como uma cola entre um elenco que tem alguma química lá do fundo. Todos são extremamente prejudicados pelo roteiro, mas Klara Castanho (Viver a Vida), Sílvio Guindane (Bróder Em Nome da Lei) e Mariana Santos (Zorra) conseguem entregar o simples de uma família disfuncional. Aceitando o estilo Malhação/Carrossel/Chiquititas que domina a projeção do início ao fim, também vale dizer que as patricinhas interpretadas por Bruna Griphão, Isabella Moreira e Clara Tiezzi cumprem o seu inexpressivo papel na trama.

E acreditem que esse simples agrado é muito mais do que a direção descuidada de Cris D’Amato (S.O.S.: Mulheres ao Mar) merece. Os efeitos especiais são horrorosos, a tentativa de fazer uma cena de terror na primeira aparição de Geraldine falha miseravelmente, as escolhas estéticas usadas para apresentar o mundo das fadas são abandonadas na cena seguinte e as câmeras lentas não adicionam nada à história. E eu nem vou insistir no chefe das fadas e sua bizarra orelha de duas cores, porque não consigo aceitar que uma diretora experiente como a Cris faria isso de propósito.

É tudo fruto de uma produção corrida e comercial que resultou em um filme problemático, incoerente, cansativo e extremamente infantil. Pode até funcionar em alguns momentos, mas é o tipo de filme que não merece fazer parte do ótimo momento do nosso cinema ou da filmografia do brilhante Daniel Filho (que inexplicavelmente produz essa pérola). No final da sessão, a única coisa que fica é a Kéfera e sua influência que faz adolescentes saírem emocionados de suas poltronas após um funk com nota zero em criatividade. Resumindo, É Fada funciona muito bem para quem é fã do trabalho da youtuber fora das telona e você só precisa assistir se fizer parte desse grupo. Caso contrário, fuja para as colinas. Simples assim.


 

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