Forte documentário da HBO, “Bem-Vindo à Chechênia” anda no limite entre a denúncia e o fetichismo
Parte do título deste texto, é uma das formas como Ramzan Kadyrov, líder checheno, classifica os homossexuais. Essa divisão que faz a Chechênia – território do sul da Rússia que faz fronteira com uma região mulçumana – entre humanos e sub-humanos, é dita em letras garrafais, sem nenhuma vergonha ou apreço pela vida.
“Bem-Vindo à Chechênia” nos leva para dentro do trabalho de um grupo clandestino de ativistas, que enfrentam enormes riscos para resgatar vítimas LGBTQIA+ da brutal campanha governamental da Chechênia. A república, que faz parte da federação russa, é um local onde a comunidade LGBTQIA+ vive sob medo, ameaça de detenção, tortura e morte, ações que, na maioria das vezes, são cometidas pelas mãos das próprias autoridades.
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Todos os elementos citados nesta sinopse, são mostrados no documentário de David France. Apresentando vítimas de violência física e psicológica, o filme caminha numa linha tênue entre denunciar esses abusos, ao mesmo tempo em que escancara tudo, denotando certa falta de respeito, e sem nenhum aviso de gatilho inicial.
“Bem-Vindo à Chechênia” é uma produção para quem tem estômago forte. Não exclusivamente só para quem é LGBTQIA+, mas também para mulheres de todas as orientações sexuais, pois há doses cavalares de misoginia. A história de Anya, uma das figuras centrais de uma fuga no estilo cinematográfico, beira o absurdo, principalmente em seu fim.
Os ativistas David Isteev e Olga Baranova, figuras mais recorrentes em “Bem-Vindo à Chechênia”, se arriscam para salvar vidas numa eterna busca pela sobrevivência, e as vítimas – para não terem suas vidas mais prejudicadas ainda – utilizam da tecnologia deep fake em seus rostos, trocando-os por faces de ativistas nova-iorquinos.
Os raros momentos de descontração nos abrigos, são filmados em planos fechados, como se estivessem presos e não pudessem ser quem são. Histórias de amor são contadas, vozes são ouvidas, ativistas se tornam vítimas, e infelizmente, o ciclo parece se repetir. Nada melhora em “Bem-Vindo à Chechênia”.
David Isteev termina dizendo que “se não nos matam, já é uma vitória”. De certa forma, essa é uma visão pessimista de um mundo cada vez mais cruel, com aquilo que é julgado como diferente – e levanta a questão de quem são de fato – os sub-humanos.