Crítica: A primeira parte de (Des)encanto é simplesmente imperdível

Na sua saga de investir cada vez mais em produções originais, a Netflix acabou encontrando um nicho muito valioso na produção barata e lucrativa de documentários e desenhos animados – tanto no estilo ocidental, quanto no oriental – que fogem dos padrões exibidos na televisão aberta. É seguindo justamente essa onda que surgiu (Des)encanto, uma animação surtada e politicamente incorreta criada por ninguém menos que Matt Groening (Os Simpsons e Futurama) e Josh Weinstein (Gravity Falls).

A história acompanha a parceria improvável entre uma princesa que não curte assumir responsabilidades que não envolvam bebidas ou sexo, um elfo mágico que fugiu de sua floresta protegida para sentir algo que não fosse alegria e um demônio de estimação cuja a missão é levar a herdeira do reino para o mau caminho. Tudo preenchido com um rei sem muito talento para liderança, conselheiros que só querem fazer orgias, soldados idiotas e mais uma porrada de coisas criadas com o propósito de parodiar a Idade Média.

O conceito não é dos mais originais se pensarmos em Monty Python e tantas outras obras que parodiam a época ou o gênero que a abriga, mas o conjunto da obra usa muito bem esses clichês para tirar sarro da obviedade e, aos poucos, vai revelando que pode resultar em algo diferente do comum. Isso porque a série (que será dividida em duas partes) começa de maneira um pouco aleatória e episódica demais, focando nas aventuras completamente soltas e desconexas desse grupo de personagens. É muito divertido e consegue ter energia suficiente para prender a atenção do espectador, mas ainda deixa uma sensação estranha que só começa a se dissipar por volta do quinto episódio.

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É a partir daí que boa parte das informações passadas revelam sua importância – ora como elemento da narrativa, ora como revelação de partes da personalidade dos protagonistas – e a história principal começar a ganhar corpo, peso e direção. Inclusive, se você já estiver imerso do clima da primeira metade, pode até se surpreender com o fato de (Des)encanto ser uma série muito bem amarradinha que assume riscos e consequências em relação aos seus personagens. Isso faz com que, por exemplo, a morte banalizada de figurantes seja dolorosamente substituída pela despedida de personagens mais importantes. Em outras palavras: os massacres que pareciam ser meras piadas com Game of Thrones assumem a coragem da série parodiada e não titubeiam na hora de pegar o público desprevenido com sangue derramado.

É realmente curioso perceber que peso de alguns acontecimentos não são deixados de lado com tanta pressa, porém é ainda melhor perceber que essas decisões difíceis nunca jogam as piadas para escanteio. (Des)encanto é uma animação voltada para a comédia e não esquece disso em nenhum instante, fazendo por exemplo com que um de seus ganchos mais abertos seja uma grande piada com as típicas cenas de assassinatos misteriosos nas novelas. O mesmo tipo de humor referencial também atinge as cavernas cheias de segredos de Indiana Jones, as aves milagrosas de Senhor dos Anéis, a abertura de O Exorcista e chega ao ponto de gerar uma recriação brilhante do conto de João e Maria, no entanto a verdade que o roteiro mais afiado dos Sete Reinos sabe como abraçar outros tipos de comédia para criar desde o incrivelmente idiota (porém hilário) cavalo que ri até algumas atualizações histórias que nos presenteiam com pérolas como os burros policiais.

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Isso sem contar todas as espetadas envolvendo feminismo, casamento e outros temas extremamente atuais que não poderiam faltar em uma série tão crítica e politicamente incorreta como essa. Inclusive, eu não sei se precisava dizer isso sobre uma série liderada pelo criador dos Simpsons, mas a maioria esmagadora das piadas fala sim sobre drogas, sexo, religião e tudo mais que possa estar na cartilha de tabus. (Des)encanto é uma série adulta e extremamente violenta que encontra seu pares perfeitos no traço característico de Groening e nas vozes incríveis de Abbi Jacobson (BoJack Horseman), Eric André (A Noite é Delas) e Nat Faxon (Friends from College).

Um casamento perfeito que graças, principalmente, a um dos roteiros mais completos e inteligentes do ano consegue conquistar os povos do mundo inteiro, surpreender os guerreiros desprevenidos e deixar qualquer cidadão – camponês ou nobre – de Dreamland ansioso pela Parte 2. E, diante dessa qualidade toda, deixo aqui meu último recado: (Des)encanto é, sem dúvida nenhuma, uma pérola dentro do enorme catálogo da Netflix e você nem precisa enfrentar uma cruzada mortal para aproveitá-la.

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