Documentário que acompanha 20 anos de uma família negra (tão perto, mas tão longe das autoridades), “17 Quadras” é uma pancada que vai te derrubar
Em 1999, a família Sanford começou a filmar sua rotina em um perigoso bairro de Washington, a apenas 17 quarteirões do Capitólio dos Estados Unidos. “17 Quadras” foca em personagens de quatro gerações dos Sanford: Emmanuel, um estudante dedicado; seu irmão Smurf, um traficante de drogas local; sua irmã Denice, uma aspirante a policial, e a mãe deles, Cheryl, que deve lidar com os próprios demônios para promover o bem-estar da família.
Em certo momento Denice diz que seu irmão seria, “muito mais do que esperam que um homem negro seja”. Essa fala traduz perfeitamente este documentário, realizado em colaboração com o cineasta e jornalista Davy Rothbart. Neste pequeno diálogo, sabemos que “17 Quadras” vai falar de racismo, escolhas, falta de oportunidades, pobreza, gentrificação e abandono do governo, mas ao mesmo tempo, será um filme sobre a vida.
+++ CRÍTICA: Mamãe Mamãe Mamãe (Mum, Mum, Mum) | Melancolia social
+++ Mostra de São Paulo 2020 | Confira os filmes e a programação completa do evento
Filmagens caseiras feitas por Emmanuel mostram sorrisos e interações saudáveis, mas também há espaço para brigas e discussões, como em qualquer família. Ao mesmo tempo em que prioriza a família Sanford, o documentário reflete outras famílias negras que vivem em Washington DC. É possível imaginar a quantidade absurda de histórias, sejam elas parecidas ou não.
Davy Rothbart uso o micro para falar do macro. É fácil se apegar aos Sandford, mas é difícil ver os seus momentos de fraqueza e sofrimento. Muitos deles provindos de um sistema feito para eliminá-los. “17 Quadras” é um exercício de intimidade impressionante.
Muito mais do que documentar, é como se soubéssemos o pensamento de cada um deles. Seus medos da violência armada, da pobreza, e do vício em drogas, acompanham as gerações seguintes.
A matriarca Cheryl, que poderia refletir uma aura superior e pacificadora, de certa forma também sofre com as influências do passado, a culpa, e tenta se livrar dos constantes pesadelos, mostrando-se frágil e humana, mas também não tem medo de pedir ajuda.
São vidas promissoras, que esbarram em dificuldades maiores do que eles. “17 Quadras” não faz questão nenhuma de omitir todos os percalços e tragédias por quais os Sandford passam. As ruas invadem a casa e vice-versa. E às vezes, só nos resta fazer como o pequeno Justin disse: “usar seus punhos como armas”.