Cats: Um Show de Horrores Quase Felino

Cats: Um Show de Horrores Quase Felino 3
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Entregando exatamente o que o trailer prometia, Cats erra feio no visual e se transforma em um dos maiores desastres do ano.


Originalmente, Cats é um musical escrito por Andrew Lloyd Webber em 1981 com base nos poemas de T.S. Eliot. O resultado é uma obra incomum que fala metaforicamente sobre a vida, os animais e diversos problemas sociais com o mínimo de diálogos possível. No entanto, esse foi a apenas o ponto de partida dessa história que originou montagens teatrais icônicas em diversos lugares do mundo, fez parte da carreira de diversos cantores através da canção Memory e conquistou seu lugar (merecido) na cultura pop. Uma fórmula de sucesso que a nova adaptação aproveitou sem praticamente nenhuma mudança, gerando assim uma única pergunta: o que diabos deu errado?

Mas antes de começar a responder essa pergunta, a gente precisa voltar um pouquinho no tempo e lembrar da repercussão negativa que o próprio trailer já gerou. Afinal, desde os primeiros vídeos de divulgação, a reunião dos gatos de rua que lutam pela oportunidade de subir na vida vem acumulando milhares de críticas negativas. Eu admito que estava no pequeno grupo dos que não se incomodaram tanto assim, porque enxerguei algo bastante próximo do visual teatral naquela confusão. Em outras palavras: no lugar de investir num remake live-action no estilo de Rei Leão, Cats usaria a computação gráfica como uma maquiagem que atualizaria o que a peça fazia com próteses e fantasias.

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Tudo bem que esses efeitos não pareciam nada agradáveis, mas a maioria das grandes produções apresenta problemas digitais nos seus primeiros trailers. Estamos falando de um vídeo liberado nos estágios iniciais de um processo de melhorias que se estende até semanas antes da estréia. O problema é que, nesse caso, o tal processo não parece ter avançado nem um pouquinho, já que os efeitos exibidos na telona são absurdamente mal finalizados. Um trabalho feito sem nenhuma preocupação ou carinho que resulta em personagens presos bizarramente nesse limbo entre humanos e felinos que se movimentam/se expressam da forma mais assustadora possível.

Não consigo explicar com palavras o quão estranho é assistir os espetáculos dançantes dos gatos “jellicle”, mas posso garantir que o visual incomoda tanto que destrói qualquer possibilidade do espectador se conectar emocionalmente com os personagens. Mas calma que os escorregões acumulados por Tom Hooper (O Discurso do Rei) e sua turma felina não param por aí…

Eu sei que não poderia esperar um grande trabalho de alguém que coleciona obras tão medíocres em sua filmografia, mas mantive alguma esperança por causa de dois detalhes: Hooper possui alguma experiência com musicais; e tinha mostrado alguma habilidade com efeitos digitais nos primeiros episódios da ótima His Dark Materials. O grande problema é que ele não acerta em nenhum dos dois fatores nessa versão de Cats. As sequências musicais não aproveitam a mise-en-scène para criar algo grandioso; os atores parecem estar deslocados na maior parte das sequências; o timing cômico é pavoroso; as movimentações de câmera não fazem sentido nenhum; e as proporções do cenário são extremamente bizarras.

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E, como se o incomodo inicial com os personagens já não fosse suficientemente problemático, os efeitos mal acabados voltam ao palco para criar um show onde nada parece se encaixar. Os personagens, os cenários e a movimentação dos bonecos digitais incomodam bastante (ora um de cada vez, ora todos juntos), demolindo a imersão do público de uma vez por todas. É incrível como o longa consegue transformar magia mais simples em algo tão bizarro que beira o assustador, obrigando o espectador a fazer o caminho contrário do que qualquer um esperaria. Ou seja, sair correndo da sala de cinema ao invés de tentar mergulhar em um universo supostamente rico.

Pra piorar a situação do filme, a narrativa também não ajuda, considerando que a divisão das histórias individuais dos gatos derruba qualquer unidade que poderia ser criada dentro do roteiro escrito por Lee Hall (Rocketman) ao lado do próprio diretor. Essa dinâmica pode até funcionar minimamente no teatro, porém, dentro do formato de longa-metragem, não passa de uma série de jornadas isoladas que acabam conectadas de maneira um tanto quanto forçada. Algo que só é piorado pela ausência de um vilão bem desenvolvido, visto que o Macavity interpretado por Idris Elba (Hobbs & Shaw) é bem subaproveitado durante suas aparições pontuais.

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Eu sei que ele surge da mesma maneira aleatória na peça, mas esse é um daqueles pontos decisivos onde mídias diferentes exigem decisões narrativas diferentes. É possível entender a necessidade de manter parte da estrutura do musical através da lista de músicas e tudo mais, porém a escassez desses “elementos mais cinematográficos” na fórmula faz com que poucos personagens consigam se salvar de alguma forma. Mr. Mistoffelees, Grizabella e Gus são alguns que garantem vaga nesse grupo seleto, mas o mérito acaba sendo somente das letras originais e/ou do talento de Laurie Davidson (A Grande Mentira), Jennifer Hudson (Dreamgirls) e Ian McKellen (A Bela e a Fera).

É verdade que dá pra pra se acostumar com a bizarrice por volta do segundo ato e mergulhar um pouquinho mais na história, permitindo que pelo menos essa parte dos gatos se salvem. A questão é que, como eu disse, o filme não melhora de verdade graças ao visual bizarro e a narrativa problemática. O pouco de emoção que surge na tela está ligado justamente ao casting, suas vozes potentes ou ao poder contido nas canções de Andrew Lloyd Webber. E essa combinação sozinha não tem força pra tirar Cats do fundo do poço, garantindo assim que essa desastrosa edição do baile promovido pelos “jellicle cats” permaneça bem longe do Paraíso dos Sonhos.

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