Existem filmes tão ruins que geram debates e reflexões sobre cinema e a forma de se fazer arte, também existem aqueles que são ainda piores, por sequer conseguirem ser interessantes o suficiente para despertar qualquer sentimento, ainda que negativo.
A frustração sentida não advém da ruindade daquilo que foi assistido, mas sim do vazio deixado (não no sentido de vazio existencial, apenas uma grande sensação de nada).
Qual a história de Um Filme de Cinema?
Uma garota, por volta de seus nove anos, decide que irá dirigir um filme para apresentar em um trabalho de escola. Paralelamente, seu pai, um diretor de cinema profissional, enfrenta dificuldades para finalizar sua própria obra.
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O que achamos do filme?
Pretensioso é uma palavra raramente bem empregada ao se falar de arte, mas no caso de “Um Filme de Cinema” cai como uma luva. Trata-se de um projeto que não comunica nada, não tem cuidado com sua estética, ou zelo técnico, nem progressão narrativa e muito menos desenvolvimento de personagem. É apenas o diretor se dando um tapinha nas costas, durante quase uma hora e meia e se sentindo extremamente orgulhoso disso.
A começar pelo título que indica uma preguiça sem tamanho, e em segundo lugar já tinha sido utilizado por outro longa brasileiro de 2015 (atenção ao procurar no letterboxd/imdb).
A premissa oferecida, apesar de simples, abria espaço para algumas possibilidades que poderiam ter sido melhor aproveitadas, tanto na questão envolvendo metalinguagem, quanto no segmento das crianças. Lendo a sinopse chega a ser difícil imaginar como algo tão básico deu origem ao pior filme do ano até agora, reunindo alguns dos piores vícios cinematográficos.
Pois bem, a ideia base jamais chega a ser desenvolvida e é utilizada, apenas, como desculpa para que o diretor e roteirista, Thiago B. Mendonça, desenvolva uma “carta de amor ao cinema” – tendência cada vez mais popular que reúne verdadeiros clássicos modernos como “Era Uma Vez em Hollywood”, “Babilônia” e “Os Fabelmans”. A diferença é que nesse caso, parece que estamos, em verdade, diante de uma carta de desdém ao cinema.
Para ilustrar seu amor pela sétima arte, o filme intercala suas cenas com momentos icônicos do cinema clássico, seja por meio de trechos retirados dessas obras, ou por meio da releitura de passagens famosas.
Contudo, ao contrário do que é feito em Babilônia, por exemplo, essas inserções não servem para prestar uma homenagem ao cinema; fazer o recorte de uma época, tal qual no filme de Tarantino; ou ressaltar as influências na carreira do diretor, como fez Steven Spielberg em Os Fabelmans. Ao contrário, aqui essas alusões nunca se justificam e são usadas única e exclusivamente como uma espécie de fanservice gratuito e também para vender a ideia de que o realizador tem um vasto conhecimento sobre cinema, algo que não está comprovado, já que ele aparenta conhecer tão somente três nomes da indústria: Charlie Chaplin, Buster Keaton e George Méliès.
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É fato que diretores não tem a obrigação de serem cinéfilos – o problema é fingir que é –, só precisam ser bons contadores de história e a julgar por esse filme, Thiago B. Mendonça não parece ser nenhum dos dois.
Veja como isso causa um reflexo problemático na narrativa, a protagonista, Bebel, é uma garota que sonha em ser uma cineasta, assim como seu pai, ou seja, a trama central do longa envolve uma mulher na direção e, ainda assim, não há qualquer menção às mulheres que ajudaram a moldar o cinema, como Alice Guy, creditada no letterboxd por singelos 157 filmes, ou Maya Deren, responsável por contribuir para revolução do surrealismo. Frise-se o quanto é absurdo que ao contar a história de uma diretorA mirim, o realizador ignore completamente aquelas que pavilharam o caminho.
Mas nada é tão ruim que não possa piorar, e esse filme é a prova disso, já que ele nem ao menos entende quem é seu público alvo. Toda a estética é inteiramente construída para uma audiência infantil, não obstante, as referências, da forma como estão inseridas, passarão desapercebidas pela esmagadora maioria dos baixinhos, e tendo em vista a frequência com que se repetem, provavelmente, perderão a atenção deles. Se por outro lado, o a intenção era focar nos adultos que já gostam desses clássicos, então não há razão de ter sido adotada essa estética infantilizada. Esse filme parece ter sido feito de Mendonça para Mendonça e não é nada além de um exercício de autoindulgência.
Diferente do que Martin Scorsese alcança em Hugo, ao criar uma narrativa envolvente para, posteriormente, inserir a figura de Méliès e, possivelmente, gerar uma curiosidade pelo cinema “antigo”, Thiago B. Mendonça parte do princípio que aqueles nomes e seus projetos já são amplamente conhecidos por crianças. O raciocínio é invertido, Thiago quer mencionar esses diretores a qualquer custo e fica o tempo todo criando subtramas para poder aludir seus filmes favoritos.
Até que na metade da duração, se dá conta que deveria ter oferecido algum contexto aos seus espectadores mais jovens – que a essa altura do campeonato já terão desistido – e, ao invés de inseri-lo organicamente, apela para um show de expositividade em forma de teatrinho, por meio do qual conta a história do cinema seguindo a linha do tempo mais wikipedia possível. Parece que durante a pós-produção alguém decidiu adicionar de qualquer jeito um daqueles quadros informativos que passavam na TV cultura.
Com exceção de um figurante que aparece em uma única cena (o Formigão), ninguém sabe atuar – se sabem, não demonstram –, as crianças não tiveram treinamento básico de dicção e os adultos passam a impressão de estarem sendo interpretados por robôs comandados por uma (falta de) inteligência artificial. O texto, ainda por cima, não ajuda e coloca-os a proferir frases como “a vida é uma cachoeira”, “o que eu mais gosto é abrir portas […] o mais queria é que não existissem tantas portas fechadas”.
Para fechar com chave de ouro, o longa se encerra com um plot twist tão ruim, previsível e clichê que a Disney teria vergonha de exibi-lo num filme feito para crianças de três anos.
Em resumo, esse grande “Filme (que quase me fez desistir) de Cinema” nos entrega: uma narrativa não desenvolvida em nome de uma suposta carta de amor, que não confessa sentimento nenhum por uma arte que não parece conhecer assim tão bem, direcionada a um público que tampouco entende quem é.