Tallulah

A Netflix sem grandes acertos, pretensões ou discussões éticas


330733Seguindo um caminho completamente oposto ao das suas séries originais, a Netflix ainda precisa acertar a mão nos filmes produzidos por conta própria para não se tornar apenas mais uma produtora independente. Digo isso, porque, após uma estréia espetacular com Beasts of No Nation, o serviço de streaming só apostou em produções medianas ou longas estrelados por Adam Sandler. Tallulah acaba sendo mais uma boa premissa que entra para a primeira categoria ao deixar as pretensões e as discussões éticas de lado.

O filme segue Tallulah, uma jovem abandonada pela família que vive na traseira de um furgão com seu namorado, Nico. Após uma série de desencontros que eu não preciso explicar, ela vai para Nova York e acaba sendo selecionada para trabalhar como babá de uma criança, cuja a mãe não quer dar atenção. Tallulah acaba sequestrando a criança e indo procurar por ajuda no apartamento da mãe de Nico, que ela ainda não conhecia.

Uma premissa que, desde o trailer, parecia ser realmente interessante, principalmente pela possibilidade de abrir espaço para muitas discussões éticas e sociais sobre maternidade, casamento e família. No entanto, o roteiro escrito por Sian Heder (responsável por alguns episódios de Orange is the New Black e curtas sobre os mesmos assuntos propostos aqui) não tem fôlego e foco para abordar tudo isso.

Em primeiro lugar, o filme não consegue decidir se quer ser um drama, uma comédia ou suspense e faz com que nenhum dos gêneros consiga ter o peso necessário. Com exceção de um lado dramático que encontra seu ápice em umas duas cenas, as piadas não arrancam risadas e a tensão não tem a construção certa para deixar o espectador realmente nervoso. Além disso, o roteiro gasta muito tempo no primeiro ato extremamente arrastado, construindo personagens e subtramas que não terão nenhuma importância no final, como por exemplo a relação entre Margo e o porteiro.

Tallulah

Tudo isso acaba ocupando muito tempo de tela, enquanto o terceiro é completamente apressado e mal resolvido. A participação do ex-marido é só um artifício para amarrar os pontos, as tramas não se encaixam de forma natural e o roteiro ainda desperdiça sua principal discussão ética em um diálogo curto e muito raso que trata a protagonista como criminosa. Tenho certeza que a estréia de Heder em longas poderia ter sido muito mais rica e interessante, caso decidisse explorar um pouquinho mais das motivações de Tallulah e a própria devolução da criança para alguém que não queria cuidar dela.

Para completar, o trabalho de direção de Sian também deixa a desejar. Ela conta com uma fotografia bem realizada, uma trilha sonora funcional e até acerta em boa parte dos planos e dos enquadramentos escolhidos, entretanto escorrega quando tenta estabelecer algumas metáforas visuais. A principal delas – ligada à levitação – tem alguma importância no começo, no meio e no fim, mas seu desenvolvimento é vago e nunca parece ter o apelo necessário para encerrar tramas ou fazer o público pensar.

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Apesar disso, ela demonstra ter talento para dirigir pessoas e acerta em cheio ao deixar que as atuações de Ellen Page e Allison Janney sejam o grande destaque do filme. O texto pode não colaborar em todos os momentos, mas as duas tem química e força suficiente para carregar o longa nas costas, enquanto dividem alguns pequenos momentos com Uzo Aduba (mostrando ser bem mais do que sua personagem louca em Orange is the New Black), Tammy Blanchard, Felix Solis, David Zayas, Zachary QuintoJohn Benjamin Hickey.

O resultado é justamente um filme mediano que, mesmo sem ter nenhuma pretensão, poderia entregar algo muito mais emotivo e interessante nas relações pessoais e nos argumentos morais. Tallulah sabe como abordar algumas ironias que fazem parte das famílias atuais, mas não tem foco e ainda desperdiça boa parte do seu potencial em um final raso, apressado e unidimensional. Um filme independente que poderia ter explorado o selo da Netflix para ser um pouco mais.


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