O Jogo da Imitação

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Stephen Hawking não é o único gênio merecedor de ter sua história transformada em filme esse ano. O Jogo da Imitação é sobre uma grande mente, que, ao contrário de Hawking, teve seu trabalho mantido em segredo por 50 anos, morreu na surdina e só foi reconhecido em 2013. E o interessante é que, sob um certo ponto de vista, suas realizações impactaram a população mais do que os estudos de Hawking.

Esse filme conta a história de Alan Turing, um professor de matemática que foi o responsável por decodificar o Enigma, o maior código criptografado da história, durante a Segunda Guerra Mundial. Trabalhando em total segredo, ele e outros gênios ajudaram os aliados a vencer a guerra e acabaram construindo o primeiro computador da história. Por isso que digo que, de certa maneira, Turing impactou mais a nossa realidade do que Stephen Hawking, sendo até irônico que eu esteja escrevendo críticas por tanto tempo em um computador sem conhecer nada da história dele.

E posso te dizer que a vida de Turing é realmente interessante, principalmente pela personalidade do mesmo. O matemático britânico era homossexual em uma época onde isso era um crime e tinha grandes problemas sociais, sendo, por conta disso, arrogante, solitário e um pouco irônico (mesmo sem querer). Todos os seus movimentos eram traçados através da lógica, sem ligar para quem estava à sua volta e isso fez com que a vida dele fosse parecida com um quebra-cabeças.

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Por conta disso, eu achei bem interessante que o roteirista Graham Moore escolheu contar sua história como se fosse um grande quebra-cabeças. A vida de Alan é contada através de três fragmentos temporais não-lineares, onde nada é entregue de bandeja para o espectador. Não é uma história feita de grandes surpresas, mas consegue prender o público e deixar o desenvolvimento menos metódico e maçante.

O público acompanhada seu período escolar por volta dos 16 anos, que ajuda a explicar a mente de Alan e sua relação com seu computador. Também temos o período da guerra, onde está a maior parte do filme e das realizações dele. E por fim, temos os anos 50, que é de onde toda a vida é contada pelo próprio Turing ao ser acusado criminalmente por homossexualidade. Tudo isso gera um desenvolvimento intricado de peças que vão formar a personalidade e a sua carreira.

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Junto disso, o roteiro ainda consegue adicionar uma dose de humor que contrasta bem com alta carga dramática da história. Em um certo momento, acho que esse lado mais comédia passa um pouco do ponto e faz com que a transição para o final bem melancólico fique um pouco pesada. Também gostaria de ter visto um pouco mais de desenvolvimento nas consequências dos atos de Alan após a quebra do código, porque isso merecia mais do que um esbarrão de um dos seus colegas afetados.

Ainda assim, isso não prejudica a boa construção do roteiro ou o andamento do filme, que está voltada quase que exclusivamente para Alan. O filme é meio egocêntrico, como o matemático, mas Graham ainda encontra espaço para discutir alguns assuntos pertinentes, como o machismo da época. Mesmo sem colocar o dedo na ferida com força, o filme faz uma boa denúncia sobre a cultura da época, principalmente em relação ao homossexualismo, que é decisivo para o fim da vida de Turing.

A direção do norueguês Morten Tyldum é boa e só. Ele não faz algo diferente como Iñarritu, não tem a persistência de Linklater ou a loucura de Wes Anderson, por isso, até o momento, esse seria o único nome que eu tiraria da lista de melhores diretores do Oscar. Não estou dizendo que seu trabalho seja ruim, mas eu com certeza o trocaria por David Fincher (Garota Exemplar) ou Damien Chazzelle (Whiplash).

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Ele faz uma boa representação de Turing e da época, usando a fotografia e a direção de arte para recriar com precisão os períodos históricos e os cenários, entretanto ele deixa algumas situações meio banais. Ele deixa que a comédia assuma o controle na primeira metade do longa e erra a mão em alguns clichês. Por exemplo, tem uma cena, que envolve Turing, Hugh e Denniston, que já é batida por conta própria e Tyldum não faz nenhum esforço para esconder isso.

Outra coisa que me incomodou um pouco foram as cenas de guerra usadas como uma espécie de transição com o objetivo claro de trazer algum imediatismo para a história. Mas isso não faz sentido por dois motivos: 1) essa pressa pode ser instaurada através dos diálogos e das situações, como acontece em uns dois momentos; 2) o filme só se passa na guerra, mas não é um filme de guerra. O próprio protagonista não liga para os jogos políticos e para a batalha, sendo que só está ali pelo desafio, pelo jogo. é o que está dentro daquela sala secreta que importa.

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Quanto ao elenco, não preciso falar quase nada, porque todos estão incríveis. Benedict Cumberbatch incorpora com perfeição, durante boa parte do filme, um Alan Turing metódico, prepotente e genial, que tem dificuldade para conviver com outras pessoas. E ainda traz uma outra faceta mais sofrida e reclusa no “futuro” do personagem. Mesmo sendo facilmente reconhecido por sua voz intensa, Benedict está completamente diferente de tudo o que já fez e merece sua indicação ao Oscar.

Dos coadjuvantes, também se destacam Keira Knightley (também indicada), Matthew Goode, Rory Kinnear, Allen Leech (uma versão mais nova do Sean Astin) e Matthew Beard. Charles Dance e Mark Strong também tem um bom tempo de tela, mas acabam assumindo personas repetitivas dentro da sua carreira. Dance, por exemplo, é basicamente Tywin Lannister durante a Segunda Guerra.

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O Jogo da Imitação não é um filme perfeito, mas consegue suprir bem as expectativas e prender a atenção do espectador. Mesmo com os pequenos problemas de direção, o restante funciona de maneira tão interessante, que passou a ser um dos meus favoritos do Oscar com tranquilidade. O filme é mais do que sua direção simples.

Eu não espera muito do filme, mas como Turing diz no filme: “Ás vezes, são aqueles que menos esperam que fazem as coisas que ninguém imagina”. Então, O Jogo da Imitação é merecedor de quase todos os elogios e indicações que vem recebendo, mas a estrela é Alan Turing e ele, definitivamente, merece ter seu reconhecimento. Mesmo que tardio.

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